Literatura para além dos livros: atividades transformam histórias em jogos, negócios e HQs e maquetes
A literatura tem o poder de fazer o leitor viajar para muito além das páginas dos livros. A partir da história, é possível refletir, analisar e até se inspirar para outros projetos. No Campus Uberlândia Centro, do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), as aulas de literatura dos cursos de Ensino Médio Integrado renderam criações bastante criativas nas diferentes turmas de 1º ano. Sob a orientação da professora de Português Gyzely Lima, estudantes das turmas de Comércio, Desenvolvimento de Sistemas e Programação de Jogos Digitais criaram jogos digitais, jogos de tabuleiros, quadrinhos, maquetes e até ideias de negócios. Tudo baseado em grandes escritoras da literatura brasileira. Parte desse trabalho foi apresentada ao público na última semana, durante a programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) do Campus Uberlândia Centro.
Uma das criações que mais chamou atenção foram os jogos literários digitais. Estudantes do 1º ano do Curso Técnico de Programação de Jogos Digitais Integrado ao Ensino Médio (PJD) tiveram a missão de transportar as histórias dos livros, assim como informações sobre as escritoras, para os jogos. Parte dos estudantes criou jogos digitais, usando o conhecimento que adquirem na parte técnica do curso, e outra parte criou jogos de tabuleiros, para despertar o interesse de eventuais jogadores pelas escritoras.
A demanda surgiu a partir do contato da professora Gyzely com docentes de escolas públicas que atuam com literatura. As professoras apresentaram nomes de escritoras e os estudantes do IFTM tiveram a missão de criar suas próprias obras — jogos, no caso — para despertar o interesse de outros jovens sobre as escritoras ou obras em específico. A turma de 1º ano se reuniu em seis grupos, dos quais três tiveram a missão de criar jogos digitais e outros três tiveram o desafio de criar jogos de tabuleiro.
“Na primeira etapa (do trabalho), as ideias de jogos foram apresentadas em sala de aula, na qual tivemos convidados externos para avaliar e fazer o primeiro parecer. A partir desse primeiro momento, os jogos foram melhorados e ajustados para apresentação interna no Campus, na programação da SNCT. A terceira etapa será apresentar esses jogos para as professoras que fizeram a demanda, o que deve acontecer em fevereiro. A previsão é de irmos até as escolas durante reuniões pedagógicas para apresentar os jogos”, explica Gyzely.
Enquanto parte da turma de PJD teve a incumbência de levar a literatura para o digital, na turma de 1º ano do curso Técnico de Desenvolvimento de Sistemas Integrado ao Ensino Médio a missão foi criar produtos mais concretos. Durante a SNCT, eles apresentaram maquetes a partir das quais explicavam ao público diferentes escolas literárias.
“Para essa turma, o desafio era criar um sistema concreto, palpável, o objetivo era sair do digital. Propus que eles criassem uma maquete com três módulos, um sistema que representasse algo e fizesse sentido. Cada maquete tem, então, três partes e elas remetem a duas escolas literárias: Humanismo e Trovadorismo. Nós fizemos leituras dramatizadas em sala de aula dramatizada dos textos “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, e “Farsa da Boa Preguiça”, de Ariano Suassuna. A partir da leitura, os grupos se organizaram para criar as maquetes, que trazem informações sobre a vida dos escritores, contexto histórico e social, dados sobre as obras ou sobre as escolas”, explica Gyzely.
Na turma de Comércio o objetivo foi trabalhar a literatura também como negócio. A turma se dividiu em grupos e cada um ficou responsável por uma escritora. A partir do estudo da vida e das obras dessas escritoras, eles tiveram a missão de criar produtos relacionados com as informações apuradas e vender na SNCT. As ideias de negócios foram apresentadas primeiro em sala de aula, para servidores do Campus. As professoras do curso de Tecnologia em Marketing Nathane Eva e Poliana Cristo, assim como o jornalista do Campus Guilherme Brasil, fizeram parte de uma banca que ouviu as ideias e deram feedback para melhorias. Durante a SNCT, cada grupo comercializou seus produtos. De marca páginas de crochê até ecobags e doces, os grupos conseguiram propor produtos bastante diferentes e tiveram sucesso na empreitada.
Outro produto que surgiu a partir do estudo de obras literárias foram as histórias em quadrinhos (HQs). Estudantes de Desenvolvimento de Sistemas tiveram a incumbência de criar HQs alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são 17 metas globais estabelecidas em assembleias da Organização das Nações Unidas (ONU). “A ideia aqui era criar uma narrativa com a criação gráfica. Para isso, nós fizemos a leitura da obra “Angola Janga”, que é um livro do Marcelo D’Salete, que a gente tem disponível aqui na escola pelo programa PNLD literário. Nós lemos o livro, vimos toda a problemática que o Marcelo D’Salete traz, não só na narrativa, no texto e no roteiro, mas também nos closes, no estilo que ele traz de desenho. Os alunos se inspiraram muito nisso para trazer produções de arte muito críticas”, explica Gyzely, que ainda ressalta que a apresentação na SNCT contou com um bate papo com um especialista em HQs.
Literatura nos jogos digitais
O grupo do estudante Yuri Araújo Silveira, do 1º ano de PJD, criou um jogo inspirado no conto “Olhos d’Água”, da escritora Conceição Evaristo. Trata-se de um jogo de plataforma, em 2D, no qual a personagem principal precisa passar por obstáculos até encontrar a mãe ao final. Tais barreiras representam o medo da protagonista de se esquecer dos olhos da mãe, como no conto.
“O objetivo do jogo era pegar esse conto, que é um conto forte, e colocar ele em forma de jogo para incentivar as pessoas a se interessarem pelos contos da Conceição Evaristo. Você não precisa ter lido o conto para entender o jogo, mas quem leu vai ter mais contexto. Acho que a gente fez um produto de qualidade”, explica Yuri.
Outro grupo que levou as histórias para o computador foi o do Luiz Henrique Lima Rocha, também do 1º PJD. A equipe dele fez um jogo baseado em duas obras “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus, e “Verdugo”, de Hilda Hilst. O jogo traz duas salas, cada uma inspirada em um dos livros.
“Nosso jogo é um puzzle em 2D no qual o jogador precisa encontrar as pistas que estão espalhadas no mapa e elas são interligadas. Cada pista encontrada ajuda a descobrir a próxima. As pistas, assim como a parte gráfica do jogo, são todas baseadas nos livros. O intuito é que as pessoas joguem e se interessem em conhecer as obras”, explica Luiz.
Dos livros para os tabuleiros
Se de um lado havia jogos para computador, do outro estavam os jogos para quem queria seguir a lógica de um livro e “desplugar” do digital. Os grupos que criaram jogos de tabuleiro deixaram a imaginação fluir para criar produtos baseados em jogos como banco imobilário e batalhas de cartas. A equipe do Fábio de Oliveira Afonso Pereira, do 1º PJD, por exemplo, criou o “Banco Literário”. A proposta é de um jogo de trilha no qual, a medida em que o jogador avança, ele vai adquirindo conhecimento sobre diferentes autoras: Clarice Lispector, Lygia Bojunga, Cecília Meireles e Conceição Evaristo. Os jogadores vão adquirindo, ao longo do percurso, pontos de conhecimento — materializados aqui com as notas de dinheiro semelhantes as do tradicional jogo Banco Imobiliário — ao aprenderem sobre vida e obra das escritoras.
“A gente queria colocar muitos detalhes para que o jogador aprendesse realmente e não só jogasse. Nosso principal foco é informação. A gente queria que as pessoas sem conhecimento sobre as autoras aprendessem mais e levassem pra frente tudo que elas aprenderam”, explica o estudante.
Já o grupo do estudante Vinícius César Marques Araújo, 1º PJD, se inspirou em jogos de batalhas com cartas para transportar as escritoras para o tabuleiro, tais como Yu-Gi-Oh!, Magic: The Gathering e Gwent. O jogo trabalha com a obra “Verdugo” e é dividido em rodadas e, a cada rodada, os jogadores “compram” um número determinado de cartas. As cartas, por sua vez, trazem informações sobre o livro. “Eu pensei que isso poderia ser uma maneira muito boa de contar a história, só que jogando com as cartas. Trabalho os personagens, os acontecimentos da história e os personagens do livro em si”, afirma o estudante.
Das páginas para os negócios
Na turma de Comércio, a missão foi transformar o conhecimento sobre autoras e obras em ideias de negócios. O grupo da estudante Ane Sophia Leite Porto, 1º Comércio, trabalhou seu produto a partir das obras da escritora Eliane Brum, que representava a região Sul do país.
“Ela é uma autora muito boa e jornalista também. Os livros dela são sobre coisas que ela escrevia no jornal onde ela trabalhava. Ela escreve muito sobre a Amazônia, sobre questões ambientais, por isso que a gente criou marcadores de página em formato de flor, que era para representar a importância que ela dá ao meio ambiente. A ideia inicial era vender marcadores de texto tradicionais, mas depois do feedback que tivemos em sala de aula durante o pitch, resolvemos agregar mais valor ao nosso produto. Por isso, fizemos marcadores de página de crochê, pois chamam mais atenção e são mais criativos”, afirma a estudante.