Chico Bala

1% é maior que 99: a história de superação de estudante do IFTM Campus Uberlândia Centro vira livro que será lançado neste sábado

Escrito com auxílio de professor de Sociologia do Campus, o livro “Diário de Chico Bala” surgiu a partir de projeto de pesquisa e fala sobre os vários desafios que o jovem Francisco teve de enfrentar
Publicado em 02/11/2023 15:35 Atualizado em 06/11/2023 13:28
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Francisco Buiatte ao lado da mãe, Márcia, e do professor de Sociologia Márcio Bonesso, com quem escreveu seu livro
Francisco Buiatte ao lado da mãe, Márcia, e do professor de Sociologia Márcio Bonesso, com quem escreveu seu livro
Crédito: Guilherme Brasil/IFTM

O estudante Francisco Campos Martins Buiatte, do curso técnico de Comércio integrado ao Ensino Médio, do IFTM Campus Uberlândia Centro, lança neste sábado (04) o seu livro “Diário de Chico Bala”, às 19 horas, na Cervejaria Benedith. Escrito em parceria com o professor de Sociologia do Campus Márcio Bonesso, o livro é autobiográfico e narra história de superação de um jovem com sede de viver e que muitas vezes foi desenganado por médicos ao longo de sua vida. Francisco é tetraplégico, tem apenas 40% de visão em um dos olhos e se locomove em uma cadeira de rodas, mas nenhuma dificuldade limitou a vontade de seguir em frente e o livro a ser lançado é a forma que ele encontrou de compartilhar sua história de superação e inspiração.

O histórico médico do jovem Francisco lhe impôs vários desafios ao longo da vida. Seu primeiro problema de saúde mais sério aconteceu quando ele tinha apenas cinco anos, quando teve uma lesão na coluna após uma aula de Muai Tay. Ele perdeu os movimentos das pernas e quando se consultou com um médico no hospital, foi diagnosticado com um câncer raro na medula. Em 2016, por conta de um erro médico, ele chegou a ter três paradas respiratórias e uma cardíaca e teve que fazer uma traquiostomia. O diagnóstico mais recente foi de neuromielite óptica (NMO), chamada também de doença de Devic, que afeta o sistema nervoso central e provoca danos nos nervos ópticos e medula espinhal, prejudicando a visão. Foram vários momentos de tensão para ele e a família, uma vez que médicos chegaram a lhe dar poucos meses de vida. Mas os prognósticos pessimistas nunca afetaram sua vontade de viver e a crença de sua mãe de que o filho conseguiria superar as adversidades a fez cunhar a frase “1% é maior que 99%”.

“Minha mãe sempre esteve do meu lado, foi meu maior apoio. Ela me incentivou e nunca me deixou acreditar totalmente nos médicos, que diziam que a chance de mortalidade era de 99%. Ela pegava na minha mão quando eu precisava e me dizia que o meu 1% era muito maior”, afirma Francisco sobre sua mãe Márcia Aparecida Martins.

“Eu quero provar que todo mundo tem possbilidades, não importa a situação. Se você realmente quiser e correr atrás, se esforçar de fato, é possível. Esse é um dos motivos de eu ter escrito esse livro”, complementa.

Arte que inspira

Apesar dos muitos desafios, Francisco está longe de ser definido pelos seus problemas de saúde. Quando esteve internado no hospital, o jovem sempre buscou forma de continuar produzindo e avançando e uma delas foi a arte. “Quando eu estava no hospital, teve uma época em que eu ficava muito triste. Eu ficava só deitado no hospital fazendo os tratamentos. Todos os dias vinha um médico diferente me dar uma notícia pior que a anterior. Alguns perguntavam se eu tinha plano funerário, outros diziam que eu não iria durar até dezembro e tinha aqueles que diziam que eu iria definhar de um jeito ruim. Foi aí que eu comecei com as artes”, conta o estudante.

Por incentivo de um funcionário do hospital e de uma artista plástica, ele passou a pintar e seu primeiro quadro foi de um leão, pois, segundo Francisco, é uma figura forte, de muito significado, que lutava para sobreviver na natureza.

“Eu pintei esse leão para mostrar que eu tinha vontade de viver. Todos os dias eu subia no andar dos artistas. Eles me mostravam os livros do Da Vinci, Van Gogh, que era meu favorito. Eu achava incrível e tentava criar meu próprio estilo de arte, com muita tinta e cor. E cheguei a pintar mais de 60 quadros. Agora eu tinha uma coisa para fazer no hospital e não apenas ficar deitado. Fiz também muitas colagens na brinquedoteca, assim como artesanatos. Foram 64 telas. Algumas eu doei, outras leiloei”, conta. “Enquanto eu tive movimento nas mãos eu fui pintando. As telas foram ficando mais abstratas, até ficarem totalmente abstratas”, complementa.

Em 2023, várias obras de Francisco alcançaram os olhos da comunidade do IFTM. Durante o II Fórum de Inclusão e Diversidade (FID), ocorrido em setembro, na cidade de Uberaba, vários de seus quadros ficaram em exposição. Hoje, eles enfeitam as paredes do Campus Uberlândia Centro, onde estuda. Na exposição “As aventuras de Chico Bala nas Artes Plásticas”, os visitantes podem apreciar dez telas selecionadas que representam sua trajetória cheia de desafios e superações.

Pesquisa e autobiografia

O livro Diário de Chico Bala começou a ser escrito por Francisco ainda com dez anos de idade, mas foi depois que ele entrou no IFTM Campus Uberlândia Centro que o trabalho engrenou. Na escola, ele conheceu o professor de Sociologia Márcio Bonesso, do qual se tornou amigo e com quem fez uma parceria para transformar o texto em um projeto de pesquisa. Eles foram aprovados em dois editais de iniciação científica do IFTM e a partir deles conseguiram caminhar para a versão final da obra.

“A ideia surgiu com meus dez anos de idade, pois eu queria contar a minha história para o mundo. Eu queria tirar algo de bom disso tudo que eu tinha passado. Até então eu tinha escrito várias versões e com a ajuda do Bonesso chegamos na versão final, muito mais recheada que nas versões anteriores. Eu sempre quis fazer algo de diferente. Eu não queria ficar parado, tinha muita história para contar e queria espalhar essa história.”, explica

Durante o trabalho com Bonesso, Francisco ditava sua história para a mãe, que enviava para o professor. Além disso, eles se encontravam semanalmente na casa do jovem para acertas alterações. Segundo o professor, o objetivo para o texto final era deixar uma linguagem acessível sobretudo para o público da faixa etária de Francisco, mas sem perder de vista o âmbito teórico.

“A antropologia tem uma vertente que traz a discussão da autobiografia. Foi nessa linha que a gente começou a estudar. É uma discussão bem etnográfica, ou seja, uma discussão descritiva sobre a história de vida dele. A gente não colocou muitos autores teóricos de forma explícita no texto, mas você vê muita discussão teórica foucaltina por trás. Privilegiamos o aspecto mais etnográfico, sem teorizar muito, para ser acessível a um público amplo. Os autores estão por baixo, como num iceberg, e a parte mais visível é a descrição etnográfica. A gente deseja que o livro atinja principalmente o público da faixa etária dele”, explica o professor.

Uma mãe que nunca desiste

A maior companheira de Francisco certamente é sua mãe. Diante de todas os desafios que a vida apresentou, ela sempre se recusou a acreditar nos prognósticos negativos dos médicos e inventava histórias para inspirar o filho. Márcia conta que Francisco sempre quis ser cientista e gosta muito de estudar e inventar histórias. E por isso ela optou por enxergar o filho a partir de suas qualidades e não das dificuldades que a ele eram impostas.

“Quando você recebe um diagnóstico, você tem a escolha de aceitar ou de lutar. Eu fiz a escolha de lutar. Se diante daquele primeiro diagnóstico eu tivesse desistido, talvez realmente tivesse sido 99% de mortalidade, mas eu olhei para ele e decidi ir à luta com ele. São 99% para eles, pois para mim o meu 1% e minha fé sempre foram maiores”, conta Márcia.

Muito atuante no livro, Márcia anotava as histórias ditadas pelo filho. E também foi uma inspiração, pois foi contando histórias que ela fez com que ele acreditasse no futuro. “Eu criava muitas histórias para ele. Eu levava ele sempre com histórias e talvez por isso ele goste tanto de contar as suas. Junto com ele no hospital, tinha os coleguinhas que ouviam más notícias dos médicos e a gente percebeu que não dava para confiar nos prognósticos. Nem sempre o que está determinado é o que vai acontecer. Cada vez que chegamos numa consulta do médico, que vê que ele está vivo e com a parte cognitiva muito preservada, ele se surpreende. A vida não é fácil, mas cada desafio coloca a gente mais forte e mais corajoso, pois a gente pensa: se chegamos até aqui, vamos mais longe. Ele quer inspirar as pessoas e eu quero sempre ajudá-lo com isso”, afirma.

“Quando a gente supera algo, é meio mágico. A minha meta é que esse 1% leve ele muito mais longe. E que ele tenha a sensação que conseguiu. Quando ele entrou na cadeira de rodas, por exemplo, eu carreguei ele nas costas por uns quatro meses. Eu tive que convencê-lo. Eu inventava histórias para ele aceitar. Eu sempre tentei mostrar para ele um motivo para seguir, para mostrar que a gente não foge, que a gente enfrenta de cabeça erguida”, encerra.

Chico Bala - Um menino travesso

O livro de Francisco poderia ter muitos nomes, mas ele escolheu Diário de Chico Bala porque talvez seja justamente o que melhor o representa. Apelido de infância, remete a um tempo em que ele era muito travesso e gostava tanto de bala que fazia até “estoque”, segundo ele. Nenhum doce era aceitável, mas quando se tratava de bala, ele era bastante guloso. E esse apelido diz do menino travesso que foi.

O livro traz muitas de suas traquinagens, teimosias e travessuras, como ele mesmo rotula. As primeiras histórias são de quando sua família chegou ao Brasil e a partir dos seus três anos de idade, momento em que nasce sua irmã Paola. E foi justamente a caçula que foi uma das “vítimas” de uma de suas travessuras.

“Como eu era o caçula, eu não gostei nada quando ela nasceu. Eu estava sempre tentando ‘me livrar’ da Paola de certa forma. Um dia, minha mãe foi tomar banho e eu tinha uma amizade com o senhor Navarro, um vizinho. A Paola estava no carrinho e eu entreguei o carrinho da Paola como presente de Natal para o senhor Navarro, para ele não ficar mais sozinho. Eu saí correndo, fechei a porta de casa e quando minha mãe saiu do banho ela viu na minha cara que eu tinha aprontado algo. Eu disse que fiz uma boa ação. A boa ação durou só o tempo do banho da minha mãe, pois o senhor Navarro bateu na porta e disse que não podia aceitar esse presente. A Paola retornou, eu fiquei emburrado e ganhei uma semana de castigo”, conta o bem-humorado Francisco.

Sobre o IFTM

Francisco entrou no IFTM no final de 2019. No Campus Uberlândia Centro, ele tem acesso a um atendimento especializado, com a possibilidade de montar uma carga de aulas adaptada. Estudante disciplinado, ele sempre teve o sonho de fazer uma grande pontuação no Enem e viu no IFTM uma ponte para alcançar seu objetivo.

“Eu descobri o IFTM bem no limite das inscrições. Eu sempre quis fazer o Enem e me sair muito bem. Queria fechar o Enem e minha professora de apoio na época me contou sobre o IFTM. Desde então eu fui estudar e estudei muito”, conta. “Quando eu entrei, o salto de ensino e aprendizado foi abissal. Tive muita dificuldade. A diferença de conteúdo, as oportunidades, tudo para mim que era oportunidade eu queria tentar e pegar. Eu sempre quero estar fazendo algo novo. Passar no Instituto foi um sentimento de emoção forte”.

No IFTM, Francisco tem acesso ao serviço de apoio especializado ofertado pela Coordenação de. Atendimento às Pessoas com Necessidades. Específicas (Capne). Com uma sala exclusiva destinada a estudantes com necessidades especiais, ele pode fazer atividades e receber auxílio das profissionais do local. Este ano, Francisco ainda teve a chance de falar com todos os seus colegas de Ensino Médio do Campus, uma vez que ministrou três palestras na atividade "Conversando com Capne: Inclusão para todos: responsabilidade de cada um!". Nesses encontros, ele falou de sua história, suas obras e seus livros.

 

Serviço - Lançamento do livro "O Diário de Chico Bala"

Data: 04 de novembro de 2023

Horário: 19 horas

Local: Cervejaria Benedith

Endereço: Av Getulio Vargas 2100

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