Exposições no IV Conerer encantaram os olhos e evidenciaram diversos aspectos da cultura afro-brasileira em Paracatu
Bastava chegar no Campus Paracatu, do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), para perceber que o Congresso Nacional de Educação para as Relações Étnico-raciais (CONERER) estendia um tapete vermelho. Logo na entrada do Campus, o cartão de visitas era a Mostra Cultural de Saberes, com curadoria de Irene Francisco Malheiros Nascimento. Os visitantes viram diversos elementos que remetiam à cultura afro-brasileira, mineira e da região de Paracatu. De panelas de ferro a estandartes com imagens de santos, de bonecos coloridos, representando a Caretagem, a um espaço que recriou uma praça com balanço dentro do Campus, tudo fazia o visitante sentir que adentrava um universo particular.
Logo na entrada havia uma estante com bules antigos de café, xícaras esmaltadas, ferros antigos, panelas de ferro e até um carro de boi. Muitos visitantes paravam para tirar fotos com as centenas de peças da Mostra. Artesã e servidora do IFTM, Irene trouxe essa preocupação com aspecto visual e histórico para a organização do Congresso.
“Não tinha como a gente não se preocupar com a parte da beleza, mas também uma beleza que remetesse a esse conteúdo, que, que caracterizasse esse conteúdo, esse tema tão importante para nós. Essa parte do artesanato é algo que realmente faz toda a diferença. Trazer isso para um ambiente totalmente diferente, caracterizar esse espaço, deixar com a cara de Paracatu foi um grande desafio, mas muito gratificante”, afirma.
“Trouxemos várias peças, todas bem características, mas eu acho que o carro de boi bem na entrada mostra bem o trabalho. Representa bem nossa região, trouxe progresso na época. Outra coisa que achei bom demais num evento dessa magnitude foi podermos trazer São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, que eram santos dos pretos. Em Paracatu nós temos duas igrejas: a igreja matriz, que era a igreja dos brancos, e a igreja Nossa Senhora do Rosário, que era a igreja dos pretos. Poder trazer isso para esse evento foi realmente algo sem palavras, sem comparação”, complementa Irene.
O encatamento pelas peças trazidas por Irene, muitas delas criadas por ela, causava quase uma hipnose, mas quem avançava alguns passos logo se deparava com outra exposição também encantadora. A Mostra História, Samba e Resistência - Projeto Samba em Conta Gotas, coordenado por Magda Rita Duarte, também organizadora do Conerer em Paracatu. Professora de História, Magda e seus estudantes trabalharam a história do samba como forma de resistência e criaram vários banners nos quais conta um pouco sobre a vida de vários sambistas famosos brasileiros. Os banners ficaram expostos em vários pontos do Campus Paracatu para o Conerer.
“O projeto tinha o objetivo de entender a história do samba com um elemento de resistência ao longo do século XX. Nós começamos normalmente com a origem do samba, buscando no século XIX os sambadores nas senzalas e a resistência frente ao sofrimento e tudo. Mas, o que marca a gente aí é 1916 com o lançamento, o registro do samba “Pelo Telefone”, de o Donga, considerado o primeiro samba a ser gravado no Brasil. O projeto então fala de história e é um trabalho pelo qual tenho imensa paixão”, afirma Magda.
Insubmissas letras: mostra de autores afro-brasileiros e indígenas
Se na entrada do Campus houve espaço para o artesanato e a música, na biblioteca do Campus Paracatu quem ganhou espaço foram os autores negros, com a Mostra “Insubmissas Letras: mostra de autores afro-brasileiros”, sob a curadoria da professora Lidiane Castro. Para esse projeto, que contou com a participação de estudantes, foi feito um levantamento de obras escritas por autores afro-brasileiros e indígenas que estão disponíveis na biblioteca do Campus Paracatu, a partir da temática do Congresso, que são as relações étnico-raciais. “Buscamos mostrar para os estudantes essa representatividade dentro da nossa literatura, por isso essa mostra foi pensada para deixá-los confortáveis e com esse material à mão, para eles tivessem essa leitura de chegar na biblioteca e ver que os livros são acessíveis e que englobam toda essa identidade que a gente tem”, afirma Lidiane.
Outros espaços e momentos culturais
O Conerer ainda recebeu a Exposição Memórias das Comunidades Quilombolas de Paracatu, organizada pela mineradora Kincros, que traz uma série de fotografias sobre a cultura quilombola na região e ficou localizada em diversos pontos do Campus. Além disso, a programação do Conener contou ainda com várias oficinas, tais como Oficina de Culinária Paracatuense, Oficina de Capoeira, Oficina de Bonecas Abayomi, Oficina Culinária do Quilombo - Bolo Zumbi, Oficina de Maquiagem e Cuidados com a Pele Preta e até uma oficina de tranças, intitulada “Minha coroa, meu cabelo!”.
Logo na abertura do Conerer houve ainda um momento muito simbólico e cheio de cores, que foi o Cortejo "Caretagem Mirim da Comunidade Quilombola de São Sebastião". A caretagem é uma festa tradicional em Paracatu, celebrada anualmente por várias comunidades quilombolas da região para comemorar o dia de São João. É uma mistura de ancestralidade africana com a religiosidade cristã, um contraste que se manifesta na confecção de máscaras e fantasias. A história conta que São João era um menino travesso e que a festa foi criada para entretê-lo e impedir que ele colocasse fogo no mundo.
A tradição da caretagem também inclui a prática de ir de casa em casa na noite de São João, tocando sanfona, tambor e dançando para entreter o santo. Essa celebração ancestral, rica em cultura e tradição, é preservada por diversas comunidades da região. O momento encantou o público e trouxe para o palco diversos membros quilombolas para o palco do auditório do Campus Paracatu.