Servidores e estudantes do IFTM Campus Patos de Minas participam de várias ações em celebração ao mês da Consciência Negra
Dentre as várias atividades da programação do IV Conerer, parte do grupo participou da oficina de bonecas Abayomi, atividade ministrada por voluntárias da Associação Esther Siqueira Tilmann, de Paracatu. Durante a oficina, além da produção da boneca, as participantes tiveram acesso a uma das versões de sua origem que remonta aos navios negreiros, quando mães escravizadas utilizavam de recortes de suas próprias roupas para confeccionar as bonecas em gesto de conforto e de carinho a seus filhos e filhas. Também houve participação na oficina de tranças “Minha coroa, meu cabelo!”; “Oficina Maquiagem e cuidados com a pele negra” e “Leitura Pública Conto Maria Imaculada do Rosário dos Santos, de Conceição Evaristo”.
Os participantes também assistiram à apresentação cultural “Eu sou uma mas não ando só!”, de concepção e direção do professor Dickson Duarte, campus Uberlândia Centro. Ainda foi possível visitar as atividades expostas durante todo o evento: “Insubmissas Letras: mostra de autores afro-brasileiros”, “Mostra História, Samba e Resistência – Projeto Samba em Conta-Gotas”, “Mostra Cultural de saberes afro-brasileiros” e “Exposição: Memórias das Comunidades Quilombolas de Paracatu – Kinross”.
Um dos pontos altos da programação foi a atividade de campo de visita ao Quilombo São Domingos. Acompanhados pelo professor de História do campus Paracatu, Alexandre de Oliveira Gama, os participantes tiveram a possibilidade de vivenciar e ter acesso a essa comunidade quilombola que mantém viva a cultura negra. O grupo foi recebido pelas quilombolas Valdete e Romilda, que, por meio de uma roda de conversa, transmitiram vivências e sabedorias que remetem a uma ancestralidade de luta, de resistência, de sabedoria e de preservação da memória e da história.
(Parte dessa experiência foi registrada pelo professor Munís Pedro e pode ser conferida na página do Youtube do campus Patos de Minas)
Ainda na programação do IV Conerer, a professora de língua portuguesa, Monithelli Aparecida Estevão de Moura, que também é membro do Neabi do campus Patos de Minas, apresentou comunicação oral no grupo de trabalho “Educação e políticas públicas para as relações étnico-raciais”. Intitulado “A educação étnico-racial: pesquisa narrativa e práticas decoloniais, afrocentradas e afirmativas no ensino do francês no linguafro”, o trabalho apresentou resultados da dissertação de mestrado da professora, defendida em fevereiro de 2024, pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UFU.
No dia 23/11, Sábado letivo da Consciência Negra, as atividades do campus ocorrem em parceria com eventos promovidos pela Semana da Consciência Negra da cidade de Patos de Minas. Por meio da Lei n.º 8.296, de 3 de agosto de 2022, Patos de Minas instituiu a Semana da Consciência Negra, a ser celebrada anualmente. De acordo com a lei, a data da comemoração da Semana Municipal da Consciência Negra deve coincidir com o dia 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
Na programação do dia 23/11, estudantes visitaram a exposição “Museu Itinerante da escravidão e Consciência Negra”, no Museu de Patos de Minas (MUP). Originário de Belo Horizonte, o acervo do museu consta de quase 100 objetos datados dos séculos XVII, XVIII e XIX, referentes ao período da escravidão. Em seguida, tiveram a oportunidade de assistir a uma apresentação cultural do grupo de Paracatu “Caretada dos Amaros”. A atividade ocorreu ao ar livre, na Praça do Coreto, na Avenida Getúlio Vargas.
Conforme consta no site “Quilombo da família dos Amaros”, típica expressão cultural originária das tradições dos povos africanos, a caretada é uma "mascarada". É uma manifestação popular da cidade de Paracatu, um patrimônio imaterial da cidade. “Durante 24 horas, sem interrupção, vestindo máscaras e roupas coloridas, os homens da família dos Amaros cantam e dançam a Caretada pelas ruas da comunidade e da cidade, e em frente à igreja dos negros. Louvam a virtude de São João - a alegria -, com cantos e danças, levando seu festejo a diversas casas de Paracatu.”
O sábado letivo foi finalizado com a participação de professores, de estudantes, do presidente e do vice-presidente do grêmio estudantil “Unio IF” em roda de conversa com deputada federal Dandara. Na oportunidade, os representantes dos estudantes entregaram à deputada federal um documento redigido por eles, com assinatura de estudantes do campus, pedindo a viabilização de recurso para a construção de uma quadra poliesportiva.
Professoras membros do Neabi ainda participaram da abertura da Semana da Consciência Negra, prestigiando a apresentação musical “Vozes ancestrais do quilombo com o pianista Adão Monteiro”. Natural de Patos de Minas, o músico e produtor musical é quilombola da Comunidade de São Sebastião de Boassara – Patos de Minas e apresentou ao público um repertório bastante variado, marcado por sua ancestralidade quilombola e negra.
Para a professora Márcia Xavier, atualmente na Coordenação de Assuntos Étnicos-Raciais e Indígenas (CAERI), “a proposta de redação do Enem deste ano de 2024 esteve aí para nos mostrar que há muitos desafios para a valorização da herança africana no Brasil, então, se faz de suma importância ofertar aos estudantes, não apenas no mês da consciência negra, ações que lhes proporcionem acesso à história e à cultura afro-brasileira e africana, conforme prevê a lei 10.639/2003.”
Edimarcos Magalhães Ferreira, estudante do terceiro ano do curso de Eletrotécnica integrado ao ensino médio, é membro do Neabi, participou do IV Conerer e traz um relato de experiência, em seu relatório das atividades realizadas, carregado de reflexões a partir das vivencias das atividades do dia 13 de novembro e também de toda a sua vida e de sua ancestralidade, conforme pode ser lido a seguir.
Minhas reflexões a partir da visita à Comunidade Quilombola de São Domingos
Por Edimarcos Magalhães Ferreira
Nossa experiência no Conerer (Congresso Nacional de Estudos das Relações Étinco-Raciais) é iniciada na manhã por uma apresentação do grupo de dança “Negras Grafias” que, através de coreografias e um conjunto sensorial, interpretaram e deram vida a alguns textos e músicas. Estes, abordaram temas que giravam em torno da ancestralidade e da conexão do homem com a natureza. Notamos, ainda, uma representação da dualidade feminina e masculina conectada ao culto aos Orixás, os quais têm um papel fundamental em representar o processo de luta do povo preto pelo simples fato de serem seus ancestrais.
Ouvimos, desta vez, em alto e bom tom, o grito que nasce na violência, no chicotear com palavras, nas periferias. O grito que, muitas das vezes, é silenciado por quem pode. O grito da “pretada” do São Domingos que não consegue contar ou, ao menos, ser um personagem coadjuvante na história de Paracatu. A história sempre é contada por aqueles que herdaram o centro, por aqueles que detêm alguma importância ou renome, ou simplesmente a branquitude necessária. Como foi abordado pelo professor Alexandre, o processo de criação de uma memória comum sempre impugna no esquecimento de muitos.
Em confronto ao esquecimento, a Sra. Valdete sorri ao contar a história do quilombo São Domingos, em tom nostálgico, ela nos mostrava como era a lida e os processos de uma sociedade que, por muito tempo, era invisível ao mundo. Para mim, a música “Vilarejo”, da Marisa Monte, representa bem o que era aquele lugar, uma verdadeira terra de heróis, que lutam por um espaço na memória e na política local, por serem cercados pelo interesse desenfreado da mineradora que atua na região.
Ainda que de forma velada ou menos formulada, notei uma espécie de protecionismo cultural no discurso da Sra. Valdete, uma vez que ela se ocupa em trazer aquilo que marca a originalidade de sua cultura, o que traz a verdadeira essência do ser quilombola para ela. Notamos isso quando ela se refere à Caretada - dança e festividade com origem na comunidade de São Domingos - como algo que foi fagocitado por outras comunidades locais. Os Amaros, grupo quilombola vizinho, foi um dos quais passaram a praticar a Caretada. No entanto, segundo ela, ao renunciarem o seu território e, com isso, parte de sua identidade, levaram a Caretada para espaços que fogem do contexto religioso e cultural em que ela é praticada, trazendo para ela um caráter “industrial”. Isso nos traz diversos questionamentos, o principal deles, em minha opinião, seria como isso influencia nos processos de luta.
A resistência é um dos métodos de luta mais comuns e eficientes que se pode praticar nos dias de hoje, sendo, inclusive, um dos pontos a serem considerados no reconhecimento legitimado de quilombos. A resistência, no contexto, se dá por meio da manutenção de práticas ancestrais, da cultura, da religião ou até mesmo da ocupação de um território em que há um simbolismo para estes indivíduos. Deste modo, quando levamos essas práticas para os grandes centros, para os canais midiáticos, para o público que consome indiferentemente as informações, estamos ou não fortalecendo os movimentos para o reconhecimento e a proteção destas comunidades?
Por um lado, temos a visibilidade que é dada, a qual é de extrema importância no que diz respeito à criação de políticas públicas e no combate aos preconceitos, já que a sociedade necessita dessa recorrência para tornar algo “natural” e “aceitável”. Mas, por outro, essa exposição forçada cria brechas para interpretações errôneas e criação de estereótipos. Sem contar com apropriação de alguns elementos ao discurso de terceiros, com interesses distantes do que foi idealizado inicialmente. Assim, quando olhamos simples feiras que vendem a “arte”, vemos pessoas que querem se promover economicamente, partindo do pressuposto de que a arte é algo com intuito expressivo. Não vejo sentido em comercializar sentimento, senão os ganhos que isso traz - algo válido no sistema atual - e muito menos em consumir algo que não representa nada para si. Dizer que este processo é mero artesanato seria extremista, já que carrega uma bagagem cultural, mesmo que mais atenuada, mas que no fim acaba delimitando um valor à existência de pessoas que ainda vivenciam aquilo que está sendo comercializado, seja em pequenas feiras ou nas grandes mídias, pois acaba reforçando estereótipos e destituindo o valor essencial das práticas e dos objetos. Por fim, concordo com Valdete, “os pretos estão na moda e tá todo mundo querendo ser preto”.
Essa fala da dona Valdete trouxe outras reflexões além destas exploradas no parágrafo anterior, esta eu trago de estima desde os tempos em era sabatinado pela professora Prisciele no NEABI, e dizem respeito ao que eu sou, ao que eu me identifico. Nem pardo, nem branco, restaria o preto, o vermelho e o amarelo mas passo longe destes últimos. Talvez tenha herdado características “finas” demais para ser considerado pardo, porém encardido demais para ser branco, talvez encardido pela nódoa das terras vermelhas da Serra das Palmeiras. Isso me trouxe uma grande angústia, o fato de termos um sistema tão superficial de identificação racial em um país tão diverso. Eu, filho de pardos não seria pardo por quê? Neto de uma pessoa que foi marginalizada por sua cor e pelas crenças, nem branca demais porque estas eram pra casar e nem preta demais pra ofender a alma racista daquele que a comia. Suas irmãs já foram putas. Suas rezas e benzeções ficaram de lado, sem saber ler ou escrever lhe restou o trabalho na roça.
Como herança, minha mãe herdou essa habilidade de trabalhar a terra e pouco tempo para os estudos. Tudo isso seria diferente se tivessem herdado o sobrenome dos moradores do lado claro da serra. Eu, por fim, herdei os sonhos não realizados, a angústia de não poder ser. Então dizer que sou branco é controverso, um fruto da miscigenação ou um filho bastardo? Se as políticas de estudos étnicos-raciais não conseguiram delimitar o que a grande parcela dos brasileiros é ou ao menos entender que estamos distantes de uma realidade norte americana, como chegarão aos meninos do “ônibus dos pretos” que acordam às quatro da manhã para ir a aula? Será que algum dia saberão que existe um lugar reservado a eles nas universidades? Vão ter uma capacitação necessária para isso? Estes, em nosso quintal, na comunidade de Boassara, foram cercados e se dissiparam. Até quando tive notícias, os que restaram, estavam lutando pelo reconhecimento de terrenos como quilombola para reaver as suas terras. No entanto, sua cultura já estava embranquecida demais, mas ainda com as algemas que a sociedade colocou e coloca sobre a pele negra. Estamos muito metódicos e fechados para uma realidade ampla e diversa e, nesse ponto, encontramos o elo fraco da corrente e assim nos distanciamos daqueles que queremos ajudar.