Agricultura familiar

Projeto do IFTM desenvolve sistema para automatizar rótulos alimentícios e fortalecer agricultura familiar

Iniciativa envolve estudantes de diversas áreas, alia tecnologia e cidadania, e pretende lançar plataforma online até o final de 2025
Publicado em 06/06/2025 15:00 Atualizado em 10/06/2025 16:14
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Dona Catarina exibe orgulhosa os rótulos de suas pimentas, criados no projeto
Dona Catarina exibe orgulhosa os rótulos de suas pimentas, criados no projeto
Crédito: Divulgação

Na pequena embalagem de vidro que leva o molho de pimenta da produtora Catarina Henrique de Moura, o que antes era apenas uma etiqueta simples agora se tornou um rótulo completo, com tabela nutricional detalhada, identidade visual personalizada e até indicação de alérgenos. Por trás dessa transformação está um projeto de extensão desenvolvido no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), que há quatro anos conecta agricultura familiar, conhecimento científico e inovação tecnológica.


Coordenado atualmente pelo professor Ricardo Soares Boaventura, do Campus Uberlândia Centro, o projeto teve início no Campus Uberlândia, sob a coordenação de Thiago Taham. No Campus Uberlândia, os estudantes envolvidos auxiliavam os produtores na venda dos produtos, tirando fotos, organizando peças de marketing e ajudando a otimizar processos de produção. Uma das iniciativas foi a de criar rótulos alimentícios para produtos que antes eram vendidos sem qualquer informação. A dona Catarina foi a primeira a receber seu rótulo, mas com a chegada do projeto no Campus Uberlândia Centro a ideia é melhorar o sistema para conseguir produzir a rotulagem de forma automática.

“O processo para gerar a tabela nutricional do rótulo, atualmente, é bastante artesanal. Os estudantes vão até o agricultor, pegam a receita e montam a tabela nutricional, por exemplo, de forma manual. A gente quer fazer com que o sistema gere as informações de forma automática a partir da receita”, explica o professor Ricardo, que hoje trabalha com os estudantes do Campus Uberlândia Centro para automatizar vários passos dentro do sistema, já existente, e conseguir gerar rótulos de forma muito mais rápida para os produtores.

Os rótulos são produzidos em conformidade com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a expectativa é que o sistema esteja disponível online até o final de 2025, com uso inicial na Feirinha Solidária e expansão futura para outras cooperativas do Brasil.

Do papel ao sistema: como funciona hoje

Atualmente, os rótulos ainda são elaborados de forma semiautomatizada. Os estudantes vão até os agricultores, coletam as receitas dos produtos e, a partir delas, identificam os ingredientes e seus respectivos valores nutricionais em tabelas padronizadas. Esses dados são inseridos manualmente no sistema, que gera automaticamente os campos do rótulo, como a tabela nutricional, data de validade, informações de consumo, ingredientes e contatos do produtor.

“Dona Catarina vendia o vidro de pimenta sem informações básicas. A pessoa alérgica, por exemplo, não sabia se havia glúten ou outro ingrediente que causasse alergia. Não havia data de produção ou validade. Agora o consumidor tem acesso à composição, à validade, e até a um contato direto com o produtor”, explica Ricardo.

Por enquanto, a identidade visual ainda exige edições manuais. A imagem que aparece no rótulo é buscada na internet e editada no computador para ser encaixada no layout. A adaptação à embalagem — se é vidro, bandeja, frasco — também é feita caso a caso. No entanto, a equipe já trabalha no aprimoramento do sistema para permitir ajustes automáticos de layout e design, com inclusão de imagens, cores e formatos personalizados.

Um sistema feito com e para os produtores

Mais do que entregar tecnologia pronta, o projeto busca entender as especificidades de cada produtor e produto. "A gente faz uma entrevista com o produtor para saber se ele quer imagem, qual paleta de cores combina com a identidade dele. É preciso sensibilidade para não gerar um rótulo feio ou inadequado", comenta Ricardo.

Foi assim com Catarina, produtora de conservas e molhos de pimenta da Feirinha Solidária da UFU. Três rótulos foram criados para suas versões suave, forte e extra forte do molho de pimenta, com tiragens de 300 a 500 unidades. “Ganhei o meu rótulo no dia do meu aniversário. Foi um presente muito especial, porque finalmente pude ver meus rótulos de pimenta e jurubeba com as estampas e com o meu nome”, contou emocionada. “Foi fantástico conviver com os jovens do IFTM. Todos foram muito dedicados e carinhosos com a gente, sempre esforçados em nos ajudar”, complementou.

Agora, a equipe trabalha na criação dos rótulos da produtora Duda, dando continuidade ao projeto que, além de técnico, é profundamente humano.

Extensão com raízes na terra


A trajetória do projeto começou em 2021, em meio às restrições impostas pela pandemia. O professor Thiago Taham, do Campus Uberlândia, percebeu um cenário que unia dois desafios: estudantes do ensino médio buscando experiências práticas para seu aprendizado e produtores familiares enfrentando dificuldades para comercializar seus produtos em isolamento.

“Eu enxerguei uma oportunidade. O estudante do ensino médio estava procurando justamente por isso: um contato, um cheiro, uma forma de sair de casa. (...) E, do outro lado, os produtores tinham a feirinha solidária, mas a comunicação com o público era feita de forma muito incipiente”, conta Thiago.

A solução foi integrar esses dois universos na Feirinha Solidária da UFU, espaço tradicional de venda de produtos agroecológicos e cooperativos. O projeto logo ganhou forma como uma ação formativa interdisciplinar, envolvendo comunicação, agroecologia e, posteriormente, rotulagem nutricional.

Desde então, cinco ciclos do projeto foram realizados, com cerca de 50 estudantes envolvidos. Além da capacitação técnica, os alunos participam de oficinas em boas práticas de fabricação, economia popular solidária, fotografia, comunicação e programação, aprendizados que transcendem a sala de aula para fortalecer a cidadania, a saúde pública e a valorização do trabalho coletivo.

A vivência no campo também é parte essencial da formação. Os estudantes participam de mutirões em propriedades da associação de produtores, com atividades que vão de plantar canteiros a colher ingredientes. "É importante que eles entendam, por exemplo, o que é uma pimenta, como ela é cultivada, e o que significa esse trabalho para quem o faz", afirma Ricardo, que vai oferecer aos estudantes do Campus Uberlândia Centro a oportunidade de também vivenciar esses momentos de mutirão nas propriedades rurais.

De projeto a plataforma acessível


O sistema de geração de rótulos foi desenvolvido em Java, com banco de dados MySQL, e já se encontra em fase de testes. Ele está sendo aprimorado com foco em escalabilidade: a ideia é que qualquer produtor, no futuro, consiga acessar a ferramenta pela internet e gerar seu próprio rótulo de forma gratuita e segura.

A empolgação dos estudantes é visível. “Eles não veem isso em sala de aula. Quando falamos em computação em nuvem, domínio, hospedagem, os olhos brilham”, relata o professor. O desenvolvimento do sistema envolve também uma linha de pesquisa dedicada, paralela à ação de extensão.

Educação, cidadania e segurança alimentar


Ao unir tecnologia e campo, o projeto transforma a forma como o consumidor se relaciona com o alimento e quem o produz. Mais do que atender a exigências legais, os rótulos gerados valorizam o trabalho de pequenos agricultores, promovem a segurança alimentar e estimulam o consumo consciente.

“É muito gratificante, porque na hora que você chega com um pedacinho de papel, que não teve nenhuma dificuldade para a gente fazer, e fala para um produtor: ‘Aqui é o rótulo do seu produto’, você vê a carinha dele, o olhinho brilhando e a felicidade. Isso é fantástico”, resume Ricardo.

A previsão é que o sistema completo esteja disponível até o fim de 2025, com uso inicial na Feirinha Solidária da UFU e expansão planejada para outras cooperativas do Brasil.

(matéria elaborada pela estagiária de jornalismo Sofia Capanema Bretas e revisada pelo jornalista Guilherme Brasil)

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