Vagas em escolas, creches e consultas: conselheiros tutelares não atuam somente em casos de violência; maior parte dos atendimentos está na garantia de direitos
fim de desmistificar questões acerca dos profissionais que atuam nos Conselhos Tutelares, cuja imagem muitas vezes é associada a problemas envolvendo guarda de filhos, violência sexual e outras situações de violações de direitos, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MHDC) entrevistou dois conselheiros tutelares para esclarecer as suas diferentes atuações.
É sabido que as violências cometidas contra crianças e adolescentes estão presentes na rotina dos conselheiros tutelares e dos demais membros que integram o Conselho Tutelar. No entanto, os casos mais comuns atendidos por esses profissionais estão ligados a demandas de garantia de direitos. No dia 1º de outubro de 2023, mais de 30 mil conselheiros tutelares em todo o país serão escolhidos por meio do processo de votação que envolve toda a sociedade.
Um* conselheiro tutelar do Distrito Federal diz que é possível afirmar que o maior violador de diretos infanto-juvenil é o Estado. “Várias e várias crianças e adolescentes procuram o Conselho Tutelar para conseguir acessar serviços básicos como: vaga escolar, vaga em creche, consulta médica com especialista, vaga em centros olímpicos, vaga para avaliação socioeconômica, ou seja, vaga num contexto geral para acesso aos serviços públicos disponíveis”, revela o conselheiro.
O profissional conta que, nesses casos, quando identificada a necessidade de acesso à vaga pretendida e à omissão estatal prevista no art. 98, inciso I do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aplica-se uma medida de proteção em favor das crianças e adolescentes atendidos, requisitando o serviço público.
Não obstante, a atuação dos conselheiros tutelares não se limita à garantia do acesso a direitos. O conselheiro do Distrito Federal rememora, por exemplo, um caso em que a ação do agente foi fundamental para salvar uma criança que foi isolada pela própria mãe do convívio comunitário, social e familiar por mais de cinco anos. “A então criança se tornou adolescente e só tinha contato com a própria mãe, sendo privada de acesso à escola, acompanhamento médico e outros direitos”, lembra.
“A mãe, por questões psiquiátricas, achava que estava protegendo a filha privando-a do acesso ao mundo fora do portão daquela casa. E só foi possível a nossa intervenção a partir de uma crise psicológica da própria genitora, que saiu de sua casa com um facão nas mãos, falando palavras desconexas e ameaçando os vizinhos. Só assim foi possível identificar que, além dela, tinha uma adolescente que convivia naquele espaço”, conta.
“Potência inviabilizada”
O profissional define o Conselho Tutelar como uma “potência inviabilizada”. As palavras fortes do conselheiro dizem respeito à falta de um trabalho relevante que coloque a instituição, de fato, em um local destacado. “Precisa-se urgentemente de campanhas massivas junto à população quanto ao seu real papel, pois assim a própria comunidade lutará pela melhora desse órgão. Além, claro, de investimento”, aponta.
“Imaginemos um colegiado com o suporte de uma equipe multiprofissional para análise dos casos e aplicação das medidas de proteção. Isso seria tão grandioso, pois teríamos base para a real verificação dos serviços nos territórios, validação de políticas públicas e análise comportamental das famílias na criação de seus filhos e filhas. Sonho com o dia que teremos o Conselho Tutelar reconhecido em sua potencialidade máxima”, prevê o conselheiro.
Das tragédias climáticas ao encaminhamento psicológico
É possível que o conselheiro tutelar atue também em situações de desastres naturais, como foi o caso de algumas cidades do estado de Alagoas que foram castigadas por fortes chuvas no mês passado. Uma* conselheira tutelar que trabalha em uma das cidades atingidas conta sua experiência.
“Em meio às enchentes que aconteceram aqui no nosso município, trabalhamos de forma integral e ficamos à disposição para atender os usuários. Os casos que chegaram para nós foram mais no sentido de direcionamento”, relata.
“Fizemos encaminhamento à Defensoria Pública; para ação civil pública e segunda via de documentos que foram perdidos com a enchente; encaminhamento ao psicólogo, pois tivemos casos de traumas em algumas crianças, que apresentaram quadro de ansiedade. Encaminhamos também à Secretaria de Assistência Social, para suprir algumas necessidades básicas como alimentação e aluguel social. No entanto, nosso trabalho é cobrar e direcionar aos órgãos competentes para que mobilizem tais ações”, explicou a conselheira.
Importância do voto
Os conselheiros tutelares reforçam que os adolescentes entre 16 e 18 anos precisam abraçar a causa do Conselho, escolher bem seus candidatos e participar do processo de escolha no próximo dia 1º de outubro. “Esse será um gesto grandioso de apoio e defesa ao Conselho Tutelar. Ter a possibilidade de votar em quem zela pelo cumprimento dos seus próprios direitos é um ato extremamente democrático”, conclamou.
O processo eleitoral para escolha dos novos conselheiros tutelares em todo o país já está em andamento. No dia 1º de outubro deste ano, o voto secreto dos eleitores brasileiros definirá pelo menos cinco representantes que irão compor a nova equipe do Conselho Tutelar de cada município e região administrativa.
*A Assessoria Especial de Comunicação Social do MDHC optou por não identificar os conselheiros tutelares entrevistados nesta matéria a fim de evitar favorecimento eleitoral.
Texto: T.P.
Edição: P.V.C./R.D.
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